Chefe |
Havia uma aldeia a meio caminho
entre o interior e o litoral, governada por chicos espertos* (1). Um dia o
chefe dos espertos achou que estava na altura de contar espingardas, não
daquelas que matam patos bravos, mas no sentido metafórico, saber quem estava
com ele, apesar de há muito dizer que estava farto. Tinha que fazer alguma coisa. Em tempos, alguém que por lá tinha
andado, sugeriu a ideia de se fazer um convívio para aproximar e motivar os
aldeões a colaborarem mais com as tarefas comunitárias da aldeia. O quê?
Replicou o chefe! Isso custa dinheiro e nesta altura não podemos alimentar
esses lambões. O dinheiro faz falta para outras coisas… Com que dinheiro pago
ao meu amigo que fornece o papel que decora a aldeia na altura das festas? E ao
mordomo da procissão ao chouriço? E tantas outras despesas que vocês nem
imaginam?
Mangas de alpaca |
Mas, com o avançar do tempo o
chefe percebeu que as eleições estavam a chegar e numa atitude tal qual o
artista de circo, que torce a espinha tipo enguia, vira o bico ao prego e
aproveita ideia do comunista que felizmente já por lá não andava. Comunista?
Sim, porque todos os que tivessem ideias ou pensamentos contrários ou diferentes
eram comunistas ou pior ainda, socialistas. Porco no espeto! Damos um porco!
Com um bocado de jeito metade dum porco e com esforço e boa vontade, as patas,
rabo e a cabeça resolviam a questão. Mas enfim não se pode ser unhas-de-fome e
para compensar dá-se vinho e cerveja do lidl, que estes pacóvios nem reparam e
bebem qualquer zurrapa.
Capataz |
De imediato falou com o mangas-de-alpaca,
que também era electricista e que tinha sido endireita em tempos idos, no
sentido de providenciar os respectivos alimentos necessários ao repasto, (o
chefe ainda propôs que se fosse ao banco alimentar, mas o secretário lembrou
que só forneciam comida aos mais desfavorecidos) para além de convencer alguns
desavindos e descontentes a estarem presentes naquele momento de grande
convívio, que sem dúvida iria ficar para a história da aldeia, ultimamente tão
mal vista e nas bocas do mundo por razões pouco abonatórias.
Ora, o secretário, que por acaso
alimentava a secreta esperança de ser chefe e como que para treinar, chamou o capataz
e ordenou-lhe que levasse gente, muita gente, em particular os gajos que carregavam
o andor e tocavam o sino por altura das festas e que ultimamente andavam a
mijar fora do penico e a queixarem-se de faltas de educação e respeito, por
parte duns imbecis tipo crápula, que tinham a mania que mandavam. Se a sandes e
o sumol não chegam, venham à patuscada que desta vez podem comer à vontade e
sem ninguém a insultá-los. Era uma promessa dos chefes. Enviaram mail’s,
mensagens e até meteram informação no facebook.
Chegado o dia, a aldeia lá se preparou
para receber a suposta enchente, mas só apareceram os anciãos, que nestas
coisas nunca falham e dos que realmente interessavam só meia dúzia deles.
Porra, (mais uns palavrões que
nos escusamos de transcrever) anda um homem a fazer um esforço monumental, a
gastar dinheiro que me faz falta, para compensar o meu esforço e dedicação a
esta aldeia e estes gajos pagam-me assim? Aldeões assim não merecem ter um
chefe tão dedicado e interessado… Disse o chefe para o capataz e para o
secretário, em altos berros que atraíram outro chefe que se dignou a aparecer
no evento, sim porque esta coisa de convívios não são para o nível e classe de
alguns que habitam na aldeia. É bom que se diga que apesar de ser uma aldeia
pequena e condenada ao desaparecimento, também por lá vivem doutores e
engenheiros que obtiveram títulos por equivalência ou apenas porque lhes
apeteceu dizer que o eram.
Mas o que interessa é que o chefe
ficou muito desiludido com o fiasco da sua iniciativa e pondera a possibilidade
de abandonar a chefia da aldeia, tal como andava a prometer, não sem antes
“aproveitar o que for de aproveitar”, até porque segundo parece os "amigos" actuais e alguns de ocasião andam a trabalhar na sombra...
Chico esperto |
(1) – Chico esperto: figura que
abunda na sociedade portuguesa. É estúpido mas acha-se muito inteligente.
Sobrevaloriza a sua esperteza e subestima a inteligência dos outros, acabando
por ser vítima dos seus embustes e habilidades. Pessoa de grande baixeza e
desconfiado. Tem noção da desonestidade da sua actuação mas desculpa-se dizendo
que o mundo é dos espertos. Parece muito seguro, como qualquer manipulador, mas
vive em permanente pânico de ser desmascarado. Vai-se safando até ao dia em que
as coisas correm mal.
1 comentário:
Boa prosa, digna de Saramago no seu melhor sarcasmo. Estou tentado em copiá-la e colocá-la no jornal da moda... Talvez lá para o mês terceiro, ou quarto, o secretário se aventure a desafiar o patrão. Ele não desarma.
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